segunda-feira

O AMOR QUANDO SE REVELA e LÁGRIMA DE PRETA

O amor, quando se revela
Não se sabe revelar
Sabe bem olhar p'ra ela
Mas, não se lhe sabe falar


Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer

Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,

Se pudesse ouvir o olhar,

E se um olhar lhe
bastasse
Pra saber que a estão a amar!


Mas quem sente muito, cala;

Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem
fala
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lh
e
O que não lhe ouso contar

Já não terei de falar-lhe,

Porque lhe estou a falar.

.Fernando Pessoa




Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


António Gedeão


This is alchimia

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